A travessia da Serra Fina, localizada na Serra da Mantiqueira, é considerada um dos trekkings mais difíceis do Brasil. Não só pelo relevo acidentado, pela altitude (média acima de 2.000 m) mas também pela falta de água. Isso, sem dúvida alguma, é o maior obstáculo ao trekker.
Além de toda a carga necessária na mochila para os 4 dias de caminhada deve-se somar o peso de pelo menos 4 litros d’água, que só são encontrados nos vales entre os três picos. A Serra Fina é composta pelos picos do Capim Amarelo ou Cupim de Boi (2.543 m), Pedra da Minha (2.798) e Pico dos 3 Estados (2.689 m).
De qualquer maneira, o visual que se tem lá de cima compensa todo o sacrifício da caminhada, pois numa noite de céu aberto de cima do Capim Amarelo se pode ver quase todas as cidades do vale do Paraiba. As cenas do amanhecer com a neblina serpenteando os picos e inundando os vales é digno de contemplação.
Serra Fina – Confira O álbum De Fotos (mostrando 30 De 69 Imagens)

Nosso roteiro
A travessia da Serra Fina não é programa para iniciantes. Ela requer preparo físico, emocional e equipamento adequado. A caminhada é de 4 dias com uma mochila pesando cerca de 20kg e há trechos de mata fechada com bambú que enrosca na mochila e causa um desgaste físico muito grande. Outro ponto surpreendente foi que tivemos uma frente fria e a temperatura chegou a -7 ºC, causando um incrível acúmulo de gelo sobre as barracas. Se voce não estiver preparado para esse frio pode ter sérios problemas.
O planejamento
Após uma tentativa frustada pelo mal tempo em abril, decidi uma nova investida na travessia agora no mês mais propício para sucesso: julho. Com o frio a probabilidade chuva é menor. Felizmente dessa vez tivemos sorte e nos foi concedido uma semana de céu azul, temperaturas amenas durante o dia e muita coisa linda para ser vista.
Nosso grupo deveria ter sido formado por 4 pessoas, mas no final acabamos apenas eu e o Paulo Toledo. Para viabilizar a expedição tive apoio da agência Rota Turismo de Itamonte, da loja de equipamentos de montanha Hárpia de Passa Quatro e da Pousada Santa Rita de Itanhandú. O guia contratado foi o Guto de Passa Quatro que mostrou muito profissionalismo e conhecimento da região. Para poder fazer um bom retrato da travessia estive o tempo todo gravando a trilha com GPS.
Dia 1 – Toca do lobo, início do trekking
Após um excelente café da manhã preparado pela própria Silvana da Pousada Sta. Rita, fomos para a casa do Guto onde estendemos uma lona no chão e despejamos tudo que tínhamos para que ele nos ajudasse com a separação do que seria levado. Algumas horas depois já tínhamos todo o material: barracas, bastões, fogareiro, comida, etc.. separado nas três mochilas e rumamos para a toca do Lobo, local de início da caminhada. O que não estava no programa é que tivemos um pequeno off-road para chegar até o ponto de início do trekking. Foi muito divertido ver a cara do Carlos, nosso motorista, não se conformando com o Land Rover subindo aquela lamaçeira toda.
Começamos a caminhada às 11h e no início estava difícil manter o equilíbrio com a mochila pesada, pois leva-se um tempo para se acostumar com a carga adicional. A coisa piorou um pouco após 30 min, quando ao passar pelo único ponto de água do dia, adicionamos os 4 litros d’água. Mas, alguma horas depois e a mochila já parecia uma extensão do corpo.
O primeiro dia é considerado um dos mais difíceis, pois há um grande aclive a ser vencido até que se atinja as cristas. Porém uma vez nelas a caminhada é menos pesada e o visual recompensador. A parada para o lanche foi às 14h numa clareira protegida do vento e com um belo visual do vale. Ficamos pouco tempo para não esfriar o corpo e para tirar o atraso da saída tardia.
Chegamos ao ponto do acampamento no Capim Amarelo às 16h e ainda consegui belas imagens do pôr do sol. Montamos as barracas rapidamente pois o frio já prometia uma noite diferente. Para animar o acampameto já preparei uma pipoca para belisco. De entrada preparei uma sopa quentinha e para prato principal tivemos penne ao molho funghi. Enquanto preparava a comida só ia ficando de olho no termômetro que abaixava mais a cada hora. Por volta das 20h já estava -3 ºC e como ninguém conseguia ficar fora das barracas fomos dormir cedo.
Dia 2 – Pedra da Mina
Após cerca de 11h de sono revitalizador acordamos e fui preparar o café. Enquanto comiamos o sol secava nossas coisas do sereno. O dia estava lindo e prometia mais um belo dia de caminhada e belas paisagens. Começamos o dia mais longo de caminhada às 10h mas com a vantagem da variação de altitude ser mais amena.
O almoço foi numa clareira às 13:20h, o reabastecimento de água foi às 15h e chegamos na Pedra da Mina às 16:30h. Mal pude acreditar quando vi um local conhecido em toda a trilha. Pois em abril quando não consegui fazer a travessia, havia pernoitado na Pedra da Mina. Como estava ventando muito preferimos acampar na cratera, local próximo mais protegido. Lá havia um grupo de Passa Quatro fazendo apenas uma pernoite. Apesar da tarde ter sido nublada tivemos um lindo pôr-do-sol. Preparei a tradicional pipoca, sopa e como prato principal frango com arroz. Fomos dormir mais cedo ainda, pois o dia havia sido bem puxado.
Dia 3- rumo ao Pico dos 3 Estados
Acordamos às 7h e fomos até a Pedra da Mina para a sessão de fotos. Impressionante a vista lá de cima. O dia nessa altitude estava maravilhoso mas o vale do Paraiba estava totalmente coberto pela neblina. Ao longe se via também a magestosa Serra da Bocaina. Infelizmente dali é possível ver os restos de monomotores que se chocaram com os picos em dias de mal tempo.
Assinamos o livro de visitas e voltamos para preparar o café. Partimos rumo ao Pico dos 3 Estados às 10:30h e atravessamos um vale de capim elefante maravilhoso. O capim era tão alto que se me atrasasse um pouco já não achava mais a trilha principal.
O reabastecimento de água foi na nascente do rio Verde às 11:45h. À tarde o tempo mudou e tivemos uma chuvinha bem fina. Paramos para um lanche bem rápido às 14h com medo da chuva apertar. Chegamos ao 3 Estados às 16:30h e montamos as barracas bem rápido, prevendo o pior. Mas ao cair da noite o tempo abriu novamente e tivemos uma das noites mais frias com direito a geada e tudo mais.
Dia 4 – o Alto dos Ivos
Ao amanhacer, fiquei surpreso com a camada de gelo que havia sobre as barracas. O dia estava totalmente aberto novamente e não havia uma só nuvem no céu. Fizemos a foto de praxe: cada um num lado da pirâmide de ferro que simboliza a junção dos 3 estados. Partimos as 9:30h para o Alto dos Ivos, último ponto antes de começarmos a descida. A caminhada foi diferente nesse dia, pois passamos por diversos tipos de vegetação: bambú, capim elefante, bromélias e finalmente mata com árvores de médio e grande porte.
Chegamos ao final da trilha na fazenda do Pierre às 13h e uma coisa chata foi ter que caminhar por mais 3 km por uma estrada de terra só porque o proprietário não permite que os resgate entre em suas terras.
Chegamos na BR354 (que liga a Dutra à Itamonte) e em cerca de 20 min o Carlos veio nos apanhar com o carro. A primeira pedida foi achar um bom restaurante para comemorar o feito com uma cerveja e uma boa refeição. Retornamos para a Pousada Santa Rita, passando antes numa farmácia para pesar as mochilas e comprovar o peso que estávamos carregando.
Sem dúvida alguma a travessia foi bem pesada mas se justificou em cada instante. Em certos momentos me questionei quanto às dificuldades (principalmente os enroscos da mochila no bambú) mas vendo-a como um todo foi uma maravilhosa experiência de vida e recomendo para todos que queiram sentir a sensação de fazer um dos trekkings mais difíceis e bonitos do Brasil.
Dicas
- A menos que você seja muito experiente em navegação e conheça muito bem a região, a contratação de um guia é imprescindível;
- A travessia é por área totalmente isolada, portanto leve tudo o que for precisar;
- O melhor sentido é Pedra Capim Amarelo, Pedra Mina e Três Estados, pois todo o capim e bambús estão “penteados” nesse sentido;
- Leve celular, pois ele funciona nos pontos altos;
- O verão é muito perigoso com tempestades de raios. Prefira o inverno que apesar das temperaturas negativas nos picos garante dias abertos ideais para caminhadas;
- O preparo físico é fundamental, pois o Guto nos reportou casos de pessoas que praticamente tiveram que ser arrastadas por não aguentarem o esforço;
- Lembre-se das regras do acampamento com mínimo impacto. Não abra novas trilhas e limite-se ao locais de acampamento existentes. Não esqueça de uma pá de jardim para enterrar seus dejetos biológicos;
- Prepare-se com comida para 4 ou 5 dias e água para pelo menos 2 dias;
- Em caso de emergência o resgate pode demorar dois dias ou mais e muitas vezes só é possível de helicóptero;
Veja o audiovisual de travessia que fiz em 2008
Serviço
Pousada e Bistrô Santa Rita
Rod. MG 158 – km 1 – Capivari
Pouso Alto – MG
35-3364-7334 – Cel 35-9118-8527
Harpia Adventure – Loja de equipamentos
Passa Quatro – MG
Fone 35-3371-2616
Responsável: Léo e Alessandro
Rota Turismo Ecológico
Rua Joaquim, Murtinho, 105 – Centro
Itamonte – MG
35-3363-3207
rotaturismo@turnet.psi.br
Guto – Guia de Passa Quatro
gutoserrafina@gmail.com
35-3371-3355